Autoconhecimento e práticas profissionais de saúde

02/10/2020 12:42

 

 Everaldo Lauritzen

 

Apesar do termo Autoconhecimento ter ganhado popularidade através da literatura de autoajuda, não podemos acreditar que esse é um papo apenas para vender livros e apresentar receitas quase sempre desconectadas do dia a dia pesado dos equipamentos de prestação de servido de saúde.

O texto que se segue apresenta a você outras vias de se pensar o autoconhecimento e suas relações com sua prática como médico, enfermeiro, fisioterapeuta, etc.

O filósofo francês Michel Foucault, em sua obra, tentou exaustivamente relacionar saber e poder e apresentar as relações entre conhecer e exercer domínio. Obviamente suas reflexões filosóficas sobre o tema são bem mais profundas do que os objetivos desse texto, mas arrisco dizer que cabe utilizar dessa prerrogativa foulcaultiana para chegarmos ao nosso objetivo.

Partindo de um exemplo bem do cotidiano, podemos perceber ao vermos uma senhora, não alfabetizada, perguntar à alguém do seu lado no ponto de ônibus, para qual destino vai o transporte que está para sair, pelo fato de não conseguir ler a placa na frente do automóvel, uma clara possibilidade de exercício de poder do alfabetizado sobre àquela senhora sem conhecimento, sem poder sobre seu destino, pelo menos naquele instante.

Quando conheço algo, aumento meu poder sobre ele. Se isso pode se aplicar ao mundo e aos objetos externos ao sujeito, não seria equivocado achar o mesmo sobre o mundo e os objetos interiores do sujeito.

O fato é que buscamos conhecer as pessoas em nossa volta, o que devemos fazer em sociedade, quais nossos protocolos de atuação no trabalho, mas quando o assunto é o conhecer a si mesmo, preferimos pressupor que nos conhecemos e, muitas vezes vivemos, a dar cabeçadas e experimentar sofrimento, por não entendermos nossas motivações para determinadas ações.

A partir do dito até o presente momento, cabe então nos perguntarmos: Mas se conhecer para quê? Se conhecer impacta na vida profissional? Há alguma peculiaridade na prática profissional de saúde, o autoconhecimento? E, como se conhecer?

Para apresentarmos algumas possíveis respostas, vamos iniciar afirmando que no geral, somos reativos e pouco reflexivos. Reagimos todo o tempo à estímulos, à fala do outro, ao sinal verde, à música que toca no som, mas somos pouco reflexivos. Quase nunca paramos para contemplar nossos pensamentos, nossos estados afetivos em determinadas situações e assim, vamos andando cegamente dentro de si, em um mundo que, por si só, já parece bem assustador.

Assim, conhecer a si, é poder exercer domínio sobre si. Conhecer-se serve ao propósito de descobrir suas necessidades, seus desejos, suas motivações para fazer algo, suas fragilidades, serve também ao propósito de perceber seus padrões de comportamento, principalmente os que te fazem mal, seus mecanismos de defesa quando se sente com medo, de aceitar suas emoções negativas.

Mas com toda certeza, conhecer a si próprio também serve para reconhecer suas potências, suas qualidades, aquilo que é seu, que você gosta e que pode te ajudar, talvez o que tenha te ajudado até agora, sem você a si perceber.

Quando a gente pensa como o autoconhecimento pode contribuir para as práticas profissionais, de uma forma em geral, vale lembrar  Esperidião (2002) que  afirmava que o autoconhecimento ajuda na escolha e no desenvolvimento de todo profissional.

Em estudo mais recente Bastos (2019) analisa a relação entre consciência do autoconhecimento e realização profissional e associa autoconhecimento à satisfação profissional, sendo perceptível nos comportamentos apresentados pelos sujeitos que tinham maior grau de autoconhecimento, como tolerância para com os outros, eficiência nas respostas frente àos  problemas críticos.

Já quando sinalizamos as particularidades que o autoconhecimento tem na prática profissional de saúde, vamos nos deparar com a fantasia que muitos profissionais tem de serem operadores de cura, e não promotores de bem-estar. Esse fato vai promovendo práticas profissionais, por vezes legisladas, marcadas pela remediação e o contato com o sofrimento e o medo da finitude da vida.

Tal situação poderá promover a utilização de mecanismo de defesa nos profissionais de saúde como a negação dos próprios sentimentos e dos do paciente, bem como o desenvolvimento de uma série de doenças psicossomáticas e transtornos mentais nos trabalhadores da saúde.

Fica claro que autoconhecimento é ferramenta poderosa  na formação do profissional de saúde  que ele é necessário para o fortalecimento do equipamento emocional do profissional, como afirma Espiridião (2002), a despeito das inúmeras situações ansiogênicas às quais estará submetido esse trabalhador

 

É possível afirmar que a eficiência da atuação do profissional de saúde terá uma relação direta de suas atitudes para consigo mesmo e para com os outros. Por fim, uma vez apontada a malha que tece o autoconhecimento e sua relação com a prática de saúde cabe tentar responder: Como se conhecer?

Uma vez que o presente texto foge a formatação da autoajuda, vale dizer que não há um único método, uma metodologia melhor que a outra, o importante é você encontrar ou criar sua via de se aproximar de si. Contudo cabe elencar algumas mais conhecidas como as mais clássicas: psicoterapia, meditação, exercícios metacognitivos, e as mais inovadoras e, por vezes questionáveis, como os Rituais de regressão, rituais com plantas teogênicas, etc.

O mais válido de ser pontuado aqui é novamente a não existência de uma receita pronta de como você se conhecer. Vá em busca de atividades que proporcionem aproximação entre você e leitura de seus afetos, pensamentos, pois o encontro com eles pode proporcionar práticas mais eficazes e menos dolorosas para todos na saúde.